Eu não sou muito ligado em ver esporte (praticar é sempre muito melhor do que ver). Gosto apenas de ver alguns, mas sem fanatismo. Não interrompo atividades importantes para assistir a partidas esportivas.
Não colocar esporte acima de outras coisas é uma heresia em uma sociedade como a brasileira que diviniza o esporte e não consegue enxergar o lado ruim por trás dela (que infelizmente é real). Mas como entretenimento, o esporte consegue cumprir a sua função e para quem curte é um ótimo meio de passar as horas que não se tem algo importante a fazer.
Às vezes assistia ao ESPN mais pela qualidade de seus programas do que pelo esporte em si. Boa parte da qualidade do canal é de responsabilidade de José Trajano, um dos melhores jornalistas esportivos que existiram no país (esqueçam o Galvão: ele não é jornalista, é um torcedor fantasiado; um cheerleader! Só a Globo gosta dele).
Trajano foi fundador da filial brasileira do ESPN e executivo do canal. O ESPN era, pelo menos na era Trajano, o único canal esportivo brasileiro que não era ligado a cartolagem ("cartola" é gíria para empresário esportivo no Brasil) e também o único a não tratar o futebol como "dever cívico".
O futebol como "dever cívico" é um estereótipo ainda bastante arraigado em nosso país e que transforma o futebol em uma obrigação social, marginalizando as pessoas que como eu , não curtem a modalidade esportiva mais popular do país. Ah, até o respeito ao não-torcedores o ESPN tinha, por reconhecer a diversidade esportiva e reconhecer também que o futebol não passa de uma mera forma de diversão, sadia, válida, mas não obrigatória.
A demissão de José Trajano
Mas de qualquer modo sempre admirei a figura de Trajano, com seus comentários sensatos e seu talento de apresentador de programas. Mas com o tempo pude admirá-lo ainda mais por causa de seu humanismo e de sua responsabilidade social de se assumir ideologicamente progressista, algo que em dias temerosos não é algo muito bem visto.
Pois infelizmente, José Trajano foi demitido do canal que ajudou a fundar. Mal comparando, seria como se o anfitrião fosse expulso da própria festa e ela continuasse depois. o canal perde não somente um dos melhores jornalistas esportivos do país como também o grande responsável pela qualidade do ESPN, que poderá cair sem a influência do jornalista recém demitido.
Mas porque estou falando disso em um blog sobre Administração? É porque a demissão foi justificada de duas formas: uma publicamente, outra nos bastidores.
- A justificativa pública: "contensão de despesas". Visando a crise e a redução de funções por causa da evolução tecnológica, acharam melhor cortar profissionais do quadro. Curioso que empresários só sabem resolver crises com demissões - ao meu ver, uma atitude típica de administrador incompetente e/ou ganancioso. Mais curioso ainda é ver Trajano, experiente e talentoso sendo colocado na lista de demissões.
- A justificativa dada nos bastidores: "Trajano não deveria assumir sua postura política pois ele estaria representando a ESPN diante do público". A empresa, ao dizer isso, demonstra incapacidade de separar o profissional Jose Trajano do cidadão José Trajano.
O profissional José Trajano fala de esporte e sobre coisas relacionadas sobre esporte. Quando falava sobre política, já não era mais o jornalista e sim o cidadão, pagador de impostos e ser humanista, preocupado com as causas sociais, que tinha o direito de assumir sua postura e utilizar a sua fama para estimular o surgimento de um mundo mais justo.
Responsabilidade Social
A empresa ESPN não deveria ficar se preocupando com a postura política de Trajano, pois ela nunca prejudicou o canal. Pelo contrário, atraia a audiência de torcedores de posição política esquerdista, já que os outros canais esportivos assumem uma postura bem conservadora, de orientação política direitista.
A ESPN poderia se beneficiar com isso e oferecer um diferencial para um público que é carente de uma mídia esportiva mais objetiva e menos sectária. Assumindo uma liberdade ideológica ao permitir esquerdistas em seu quadro de jornalistas, transmite simpatia e humanidade, além de aumentar a credibilidade, pois sabemos que faz parte da mentalidade direitista querer trapacear. O golpe instaurado no Brasil não me deixa mentir sobre isso.
Mas Trajano foi demitido, e agora é olhar para a frente. Não considero isso como uma derrota. pelo contrário. Trajano é um profissional consagrado, de qualidade comprovada e com grande número de admiradores. Seu senso de humanismo só aumentou ainda mais a quantidade de admiradores (eu sou um).
Com a mais absoluta certeza, não faltarão instituições jornalisticas dispostas a contratar Trajano para seus quadros. Afinal é de um jornalista como Trajano que o esporte precisa e a sua responsabilidade social é um exemplo para todos nós.
Afinal responsabilidade social não é dar uma bolinha para um pobre jogar. É criar meios para que a pobreza nunca exista, para que a renda seja melhor distribuída e que todos os seres humanos possam caminhar dignamente com os próprios pés. Trajano sabe disso, mas pelo jeito os empresários da ESPN não sabem. Se sabem, gostariam de não saber.